quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Abraço germânico

Abraço se aprende? Dizem que o ato de abraçar nasceu na Itália, na época dos mafiosos, como uma forma de certificar se a outra pessoa estava com a intenção de armar alguma coisa, pode ser.. 
Não desacredito, é bem provável que nesse período o abraço tinha por fim o poder avaliativo, como um diagnóstico de estima por alguém. Por um lado, se partirmos da premissa que o corpo fala, independente das palavras, fica mais fácil de ter uma certeira percepção. Os gestos do corpo são involuntários. Tente lembrar de alguma vez que você tenha tido a Disposição de abrir os braços para abraçar uma pessoa que não lhe agrada.. eu não lembro de uma única vez sequer! O simples abrir de braços para com outra pessoa, é de um grande sinal de afeto revelado. De carinho. Admiração. E no mínimo, consideração. 
E por mais que uma pessoa possua uma polida educação, ou seja exemplo de cortesia, ainda assim, não acontecerá o gesto do abrir de braços. Falo de uma real Disposição para tal. Salvo em alguns momentos, como natal, velório ou até mesmo confraternização no ambiente de trabalho. Nestas horas você encontra-se quase encurralada e faz a social, num exemplo vivo de sórdida compaixão. 
Mas quem sou eu, para falar em abraço? Não tenho esta referência.. Quando se cresce dentro de um ambiente familiar onde o máximo de uma suposta demonstração de afeto é dada com apenas um aperto de mão no dia de seu aniversário. O termo "minha filha" também é algo distante. "Parabéns pelo seu aniversário kuki/aperto de mãos/as vezes um presente/nada mais!". E quando era assim, era um aniversário de amor! Sentia uma leve estranheza lá no fundo da'lma, bem escondida, dentro de minha incapacidade de discernir algo que desconhecia. O abraço. Talvez isto explique a minha dificuldade em Retribuir um abraço com a mesma intensidade, não falo propriamente de força física. Certo dia, há uma semana, uma amiga me fez pensar sobre tudo isso, quando soltou que o meu abraço era por demais alemão. Como assim??
... 
Agradeço-a, por descobrir  que estou aprendendo a lidar com esta demonstração de afeto. Como uma criança que está aprendendo a caminhar. Seria eu uma ostrinha, filha de uma ostra? Com abraços presos & guardados na'lma? Nem me estendo sobre o "eu te amo". Seria bem mais difícil. Na verdade, quase impossível! Porém, algo conforta-me um pouco. Uma mistura de conforto com algum outro sentimento que não consigo definir, mas chega a confortar de certa forma. Ainda falando em família, consegui o que não me foi ensinado. Atrasada, mas soltei, sem constrangimento algum.. um "eu te amo", ao ver meu pai pela última vez, ali, naquela situação, e talvez o espírito dele estivesse naquele momento a assistir a liberação de meus abraços contidos de toda uma vida. E enquanto eu estiver por aqui, carregarei comigo este meio conforto. 
Abraço.. venho exercitando em minhas felinas. Grandes Disposições. De onde venho, as pessoas cumprimentam-se com apenas um beijo no rosto, de leve. Dois beijos são vistos com estranheza por lá. Cultura européia, que me re/dePrime. Cinco coisas maltrataram-me quando estava ausente do Rio.. saudades de minha família de gatos, dos amigos, das rochas da cidade, do Sol e do abraço carioca!
Como ficaria a minha situação na época da máfia?

*meraspalavrasdedesabafo

kS, 23-1-2014
Fotografia by Ana Araújo.



sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Eixo


Um eixo em meio a quatro paredes circulantes,
vozes, pêlos no entorno, transpasso as paredes
eixo na Gávea, mata, buzinas, beija-flores
eixo no Rio, paro defronte Cristo Redentor, 
continuo..
eixo em meio a um desenvolvimento que
não existe.
Palavras,  acordos tácitos, governantes sem eixos
eixo em pensamentos medievais
eixo entre a destemperança,
em linhas curvas que perpassam os declínios
dos turbulentos pensamentos
eixo sem asas a rastejar por migalhas
eixo a se rebelar com o que não procede,
a não ser no desfecho do eixo de seu acreditar.

kS Rio, 25 agosto/2010.


domingo, 5 de janeiro de 2014

Simples Sopro















A vida eh um sopro. Estes passos são um sopro, não se iluda. O vento a percorrer frestas, sem pedir licença. Por assim dizer, vivemos em uma constante roda gigante, e nós ali, em meio as circunstâncias, girando, girando.. por vezes estamos em cima, alegres, sorrindo, por outras.., a dor faz parte, precisa fazer. Como dizia Jim Morrison - a dor faz parte de você, não eh como um rádio, que você vai lá e desliga - ela eh tão dígna de respeito/aceitação quanto um sorriso. Não gosto quando estou triste e alguém diz - não fica assim, não chora - como assim??

kS/ Rio, 5-1-2014.






sábado, 28 de abril de 2012











A conjuntura do que aparenta ameno
sempre trás à espreita
algo de inesperado.
Descoordenadas sensações a transcorrer
em percepções múltiplas.
Um sorriso é arrancado
por água salgada
que chega de súbito..
E por mais força que possa jorrar
não é capaz de desvencilhar
o camuflado desconforto.
Seguro o dia nos braços.
Dobradiça flexível..
Permitindo-me estar em ambos os lados.
Dúbio.. como o sorriso do palhaço.

kS, Botafogo, Rio de Janeiro

Abril/2012.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Esquerdo Olhar

Tive um sonho, por demais estranho.. Com um olho esquerdo. Não propriamente um olho e sim, um olhar. Um olhar intenso, esquerdo.
Em tentativa vã busquei em meu profundo mais algum detalhe que pudesse desvendar a evidência daquele olhar. E assim, alheia ao externo, permaneci pelo resto da manhã.. 
Quem sois olhar esquerdo?
...

Estava eu sentada à mesa em um bistrô, com mais duas pessoas. Ambas sentadas juntas, do outro lado da redonda e pequena mesa de madeira rústica.
A minha frente, lado esquerdo, a pessoa me é conhecida, um amigo, de mesmo sobrenome. Ao lado dele, mais próximo a mim, quase em linha reta, o desconhecido.
Pela suave brisa e resquícios de sol insistente, creio que eram meados de uma tarde. E de um dia que não me é simpático. Domingo. Tarde pacata. A temperatura e a energia que circulavam me eram altamente agradáveis. E a sensação parecia ser conjunta, dado aos nossos sorrisos com lábios cerrados e olhares de um brilho simétrico, diferente. Em puro silêncio.
Escuto o cantar de alguns pássaros que não avisto pela janela de moldura branca de madeira, dividida por quatro pequenos pedaços de vidros. De vidros tão limpos que, sem intermédio, consigo ver uma fresta de rua, o sol a tocar o chão de calçamento. Que lugar será este?
Como gosto do som que os pneus de um automóvel liberam quando percorrem estes chãos de pedras, penso em seguida.
E assim permanecemos.. em sorrisos silenciosos.  E por um momento o silêncio é quebrado, com uma frase de meu amigo que diz em ar de confissão:
- Estou gostando de uma pessoa que trabalha ao meio-dia, em ponto!
Eu e o desconhecido a olharmos para ele.. O silêncio a reinar.
...
De certo, bem confuso..
Frase finalizada. Em sentido horário, meus olhos percorrem e param no desconhecido.
E o que vejo, assombra-me de uma forma quase indizível. Aquele olhar. Um. E
eu,  com os meus dois olhos a encontrar um olho esquerdo que encarava-me com tal magnetismo que invadia-me a alma. E por alguns segundos de tempo, tivemos um diálogo ligeiro. Uma espécie de analogia, daquele exato pensar!
...
Passada as horas.. Minha inquietação minimiza após muitos cafés & vários cigarros. Distraio-me ao ponto de não lembrar mais do sonho.
E já em contato com a cidade Urbem, retiro da mochila um livro em pré-estréia de leitura. Olho a capa. E eis que surge a resposta.. com mãos trêmulas seguro a contra capa do livro “Elegias de Duíno’’. E assim, assombrada, revi o lancinante olhar! Olhar esquerdo de Rilke.

kS – Rio, 8-2-2012


*Rilke em Moscou – Desenho de Leonid Pasternak.


terça-feira, 19 de abril de 2011

Schmetterling

De todas as ruas por onde ando, tem uma que me é mais fonte inspiradora. Sempre que estou a caminhar pela rua Jardim Botânico, naquele trecho do muro que parece não terminar nunca... É ali... nessa rua, onde venho tendo inspiração, onde encontro os transeuntes mais inusitados. Inusitados porque nem todo mundo têm a disposição para percorrer aquele extenso muro, caminhando. Essa semana uma das transeuntes a cruzar por mim foi uma senhora, via-se que era evangélica de longe... Ao aproximar-nos constatei pela bíblia em seu braço, como a segurar um bebê no colo e com uma camiseta com os dizeres: "Sou Natural'' e aquela imensa folha de marijuana. Camiseta essa, provavelmente de um filho, neto ou passada de alguém para alguém...
Continuei a caminhar, num riso incontido, Deus é Natural... 
E se passei pelas ruas de face séria, uma borboleta me salva, despertando-me um imenso & delicado sorriso interno que escapou pela dupla de íris. Uma borboleta amarela, tão amarela como o sol que apareceu hoje. E pensei em quanto tempo não sou mais visitada por elas em minha varanda. Por vezes, entravam dentro de casa para alvoroço de minhas felinas. E a contemplação passava a ser salvamento. De todos os insetos que decidem dar o ar de suas graças em visitas rápidas, as vezes permanecem, venho sentindo saudade das Schmetterlings. E pensar que seu tempo de vida com asas é de três meses, se tiver sorte. Três meses do calendário. Um instante. E se aparecem macacos, beija-flores, passarinhos e alguns insetos que preciso saber os nomes, delas que sinto mais saudades. Aquelas grandes & azuis, tão raras como o seu aparecimento. Já acordei com uma borboleta azul pousada em meu travesseiro, velando o meu sono. Essa teve sorte & não. Sorte de minhas felinas estarem dormindo e não sorte porque eu dormindo não poderia a salvar. Abri os olhos, acordei e ela ali. Dividindo travesseiro, das azuis. Lembro de minha avó falando das schmetterlings desenhadas nas paredes em Auschwitz, denotando a ânsia por liberdade, a bela liberdade. De uma forma ou de outra.
E após ver a borboleta amarela, logo a frente, uma folha de jornal ao vento, cai ao chão, com o título em letras garrafais: ''QUEM PROCURA ACHA''. Quem busca encontra, pensei. Essa soa melhor. Preciso sair do casulo.Voar um pouco por aí... Preciso, mas não venho sentindo essa vontade. Como se faz para sair de um voo interno? Saio do trabalho, sinto uma vontade imensa de caminhar a esmo, mas sigo para casa. Passo defronte o garota da gávea, Seu Píres e demais bares... vejo pessoas, muitas e várias sorrindo, alegres por alegres & alegres pelo efeito do álcool. Numa atmosfera de felicidade momentânea. Talvez estejam felizes... Me bate uma percepção e sinto mais vontade ainda de ir para casa. Ando apática. Não sei também se é exatamente isso. Lembro que tenho uma família de felinos esperando-me em casa & um caderno com algumas páginas ainda em branco. E se não ando voando por aí, nisso encontro minha maior satisfação. Escrever. Meu voo é interno. 

kS, 23 julho/2010
Rio

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Serele

Por que não falar?
Por que dizer?
Dizer?!!
Falo muito...
Várias & não muitas palavras
Devemos falar tudo?
ou tudo eh o que se cala?
tudo inexistente...
Criação interna de tudo,
que acontece... ou não.
Entro em própria confusão
E tantas & tantas vezes
perco-me em momentos alheios
Encontro-me.
Eu, tu, nós, vós, eles
Conjugo eu
E tu, conjuga?
Ele se afasta...
Conjugações remotas...
de um será sem artigo
Será? Será?
Talvez eh meio
Entre o Sim & Não
existe o conjugar aberto
E perante tudo
só tenho a dizer,
Reticências!

kS, Rio.. 27 agosto/2008