sábado, 18 de fevereiro de 2012

Esquerdo Olhar

Tive um sonho, por demais estranho.. Com um olho esquerdo. Não propriamente um olho e sim, um olhar. Um olhar intenso, esquerdo.
Em tentativa vã busquei em meu profundo mais algum detalhe que pudesse desvendar a evidência daquele olhar. E assim, alheia ao externo, permaneci pelo resto da manhã.. 
Quem sois olhar esquerdo?
...

Estava eu sentada à mesa em um bistrô, com mais duas pessoas. Ambas sentadas juntas, do outro lado da redonda e pequena mesa de madeira rústica.
A minha frente, lado esquerdo, a pessoa me é conhecida, um amigo, de mesmo sobrenome. Ao lado dele, mais próximo a mim, quase em linha reta, o desconhecido.
Pela suave brisa e resquícios de sol insistente, creio que eram meados de uma tarde. E de um dia que não me é simpático. Domingo. Tarde pacata. A temperatura e a energia que circulavam me eram altamente agradáveis. E a sensação parecia ser conjunta, dado aos nossos sorrisos com lábios cerrados e olhares de um brilho simétrico, diferente. Em puro silêncio.
Escuto o cantar de alguns pássaros que não avisto pela janela de moldura branca de madeira, dividida por quatro pequenos pedaços de vidros. De vidros tão limpos que, sem intermédio, consigo ver uma fresta de rua, o sol a tocar o chão de calçamento. Que lugar será este?
Como gosto do som que os pneus de um automóvel liberam quando percorrem estes chãos de pedras, penso em seguida.
E assim permanecemos.. em sorrisos silenciosos.  E por um momento o silêncio é quebrado, com uma frase de meu amigo que diz em ar de confissão:
- Estou gostando de uma pessoa que trabalha ao meio-dia, em ponto!
Eu e o desconhecido a olharmos para ele.. O silêncio a reinar.
...
De certo, bem confuso..
Frase finalizada. Em sentido horário, meus olhos percorrem e param no desconhecido.
E o que vejo, assombra-me de uma forma quase indizível. Aquele olhar. Um. E
eu,  com os meus dois olhos a encontrar um olho esquerdo que encarava-me com tal magnetismo que invadia-me a alma. E por alguns segundos de tempo, tivemos um diálogo ligeiro. Uma espécie de analogia, daquele exato pensar!
...
Passada as horas.. Minha inquietação minimiza após muitos cafés & vários cigarros. Distraio-me ao ponto de não lembrar mais do sonho.
E já em contato com a cidade Urbem, retiro da mochila um livro em pré-estréia de leitura. Olho a capa. E eis que surge a resposta.. com mãos trêmulas seguro a contra capa do livro “Elegias de Duíno’’. E assim, assombrada, revi o lancinante olhar! Olhar esquerdo de Rilke.

kS – Rio, 8-2-2012


*Rilke em Moscou – Desenho de Leonid Pasternak.


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